Christiana Martins, jornalista no Expresso Curto de 23/01/2025:
" ... Independentemente de se concordar, ou não, com a classificação de que se trata de uma grande obra cinematográfica, o longa metragem vale pela mensagem, especialmente relevante em tempos tão sombrios. Interessa o testemunho, interessam eles e como nós nos posicionamos. Interessamo-nos.
A torcida vai especialmente para a atriz Fernanda Torres, que durante cerca de um ano dedicou-se a encarnar a figura real de Eunice Paiva, a mulher que, devido à truculência da ditadura militar brasileira, se viu subtraída do marido, cabendo-lhe educar sozinha os cinco filhos. Uma história de resistência e dignidade.
Ansiosa por mergulhar nessa história, que há meses vinha antecipando em leituras, comprei os bilhetes para a estreia com antecedência. A sala, em Lisboa, estava cheia, sobretudo de jovens. No fim, depois de uma espera tímida, ouviram-se palmas. Muitas não apenas ao filme, imagino, mas à coragem daquela família. No Brasil, mais de três milhões já viram “Ainda estou aqui”, em Portugal, foi o filme mais visto no primeiro fim de semana em que foi exibido.
Em tempos digitalizados, o exercício de se abrir um álbum de fotografias, daqueles grandes, com capa dura, também exige alguma coragem. E, para mim, ver “Ainda estou aqui” exigiu uma iniciativa do mesmo calibre.
As ruas, os automóveis, as formas de ser e estar, o sotaque, o comportamento espontâneo, e até uma pessoa com quem convivi olhavam-me de dentro da tela. Principalmente, olhava-me um país, que, durante muito tempo, pensámos que tinha virado passado. A primeira cena é mesmo do ano em que nasci e o quartel onde eram torturados os opositores ao regime ficava no bairro onde eu morava, no Rio de Janeiro. Tudo tão palpável.
No fim do filme, a voz de Erasmo Carlos em “É preciso dar um jeito, meu amigo” fica a ecoar na memória: “Eu cheguei de muito longe/e a viagem foi tão longa/E na minha caminhada/obstáculos na estrada/mas enfim aqui estou”.
Esta semana, que começou sob a sombra de palavras sinistras, vai exigir de nós mais coragem no caminho. Afinal, como diz a canção, “É preciso dar um jeito, meu amigo/Descansar não adianta”. E que venham os Óscares, mas se não vierem, também não faz mal, porque nós, para já, ainda estaremos aqui."
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