A lembrança da multiplicação dos pães (a par das Bodas de Caná) ficou-nos no coração como o evangelho da desproporção. O que saiu das mãos de Jesus que abençoavam foi um esbanjamento de pão: os cinco pães converteram-se em cinco mil. A desproporção foi mais além de todo o cálculo humano, esse cálculo “realista”, quase matemático, que levava os discípulos a dizer com ceticismo: a não ser que vamos comprar para dar de comer a toda esta gente. Houve superabundância: todos comeram até se saciarem. E até excesso: recolheram as sobras, doze cestos. Um esbanjamento em que não se perdeu nada, tão diferente dos esbanjamentos escandalosos a que nos acostumaram alguns ricos e famosos. A desproporção de Deus é realista e realizável porque considera o calor do pão que convida a ser repartido, e não a frialdade do dinheiro que busca a solidão dos depósitos.
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Tinham mãos os salteadores, como as têm hoje. Mas não são mãos de dar, são mãos de roubar bolsas e vidas. Roubaram-lhe tudo o que levava, que no seu caso seria material. Nos caminhos solitários que tantos percorrem hoje, os assaltos são permanentes e não roubam apenas coisas. Rouba-se a transparência dos novos, rouba-se a sabedoria dos velhos; rouba-se o ideal dos jovens, rouba-se o sustento dos adultos; roubam-se disponibilidades, sonhos e projetos… Não falo em abstrato. Refiro aspetos precisos, como a escassa educação para os valores essenciais da verdade, da bondade e da beleza; refiro a pouca prioridade que se dá à família, como célula base do organismo social, onde se possa aprender com espaço e tempo o convívio intergeracional, a complementaridade masculino – feminino, a memória das coisas e a solidariedade essencial; refiro o pouco respeito pela dignidade da pessoa humana, que não pode ser lesada pela sobrevalorização da imagem, a exorbitância da moda, a secundarização dos menos hábeis ou habilitados, ou a banalização da pornografia, do mau gosto e dos maus consumos. Falo de realidades assim, como podia juntar tantas outras, que assaltam e roubam as pessoas no que têm e no que são, sobretudo porque as apanham sós ou solitárias, mesmo que rodeadas por multidões anónimas.
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