O nosso itinerário existencial nada tem de linear. Bem que gostamos de nos imaginar numa linha contínua e ascendente, mas a própria vida encarrega-se de nos mostrar, até à saciedade, que não é assim. Poderíamos saber o que é a luz sem experimentar a escuridão? E o dia não é seguido pela noite e a noite pelo dia? Como também sabemos que não existe prazer sem dor, e que a capacidade para sentir prazer é proporcional à capacidade para sentir dor. Não será um erro de perspetiva fixar-nos na luz, no dia, no prazer? E a escuridão, a noite, a dor, não são igualmente mestres na vida? São Paulo, numa referência autobiográfica, não diz que, onde abundou o pecado, superabundou a graça? Será possível traçar uma fronteira rigorosamente delimitada entre bem e mal?
Precisamos de abandonar olhares parcelares e crescer numa visão mais unificada. É precisamente a partir dessa visão que é possível a reconciliação dos nossos desejos. Trata-se de um caminho de autenticidade onde é fundamental não mascarar, não reprimir e não culpabilizar. Nenhum desejo é irrelevante. Por detrás de um desejo que nos pode parecer obscuro esconde-se, tantas vezes, uma força vital ainda desconhecida. Importa seguir-lhe o rasto. Todos transportam uma mensagem que pede discernimento. As nossas múltiplas carências apontam no sentido da carência mais profunda. Este é o fio condutor que estamos chamados a seguir. Impõe-se aqui um trabalho interior comparável a uma viagem. Cada ramificação do desejo conduzir-nos-á ao nosso desejo mais profundo. Trata-se de passar da multiplicidade para a unidade. Do plural para o singular. Do superficial para o profundo.
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