Deixou uma obra filosófica importante, um dos fundamentos das posteriores
filosofias da existência - é dele o adjectivo "existencial". Refiro-me a Sören
Kierkegaard, cujo segundo centenário se celebra este ano - nasceu em Copenhaga
em 1813. O que lhe interessava não era o saber na sua pureza teórica, mas como
agir e viver. Escreveu: "O que no fundo me falta é ver claro em mim mesmo, saber
o que hei-de fazer e não o que hei-de conhecer, excepto na medida em que o
conhecimento deve preceder a acção. Trata-se de compreender o meu destino,
descobrir aquilo que Deus no fundo quer de mim, encontrar uma verdade que seja
tal para mim, encontrar a ideia pela qual possa viver e morrer." Contra Hegel,
cujo eco ouviu em Berlim, argumentou que não há um sistema da existência e do
indivíduo. Ora, o decisivo é o indivíduo e a sua interioridade, a liberdade, a
possibilidade, a angústia, o desespero, a salvação, numa decisão intransferível.
Como dirá Unamuno, "eu sou único e não há outro eu no mundo", como também não há
outro tu ou outro ele/ela. É célebre a sua definição da existência humana como
"uma relação que se relaciona consigo mesma ou, por outras palavras, como o que
na relação faz com que a relação se relacione consigo mesma". É decisiva esta
auto-referência, que é, inevitavelmente, hetero-referente. De facto, "uma
relação que se relaciona consigo mesma -portanto, um eu -, tem que ter-se posto
a si mesma ou ter sido posta por outro". Ora, a existência humana não se põe a
si mesma e, por isso, a auto-relação é, necessariamente, relação a outro, o
autor da relação, Deus, numa relação única de "comunicação existencial". A
existência está colocada perante três possibilidades fundamentais, a que chamou
"estádios", não no sentido cronológico e lógico de passagem sucessiva de um a
outro, mas de atitudes ou modos de existência. Seja como for, a passagem de um a
outro não se dá dialecticamente, mas por um "salto" que transforma radicalmente
a existência. O estádio estético (do grego aisthesis, sensação, sensibilidade)
tem a sua figura no Don Juan e caracteriza-se pela busca saltitante do gozo
imediato das sensações, no instante fugidio da conquista, de prazer em prazer.
Esta via da repetição hedonista desemboca no sentimento de frustração e
melancolia e pode levar ao desespero. Pode dar-se então o salto para o estádio
ético, empenhando a liberdade própria e assumindo a seriedade da existência, no
cumprimento do dever e da responsabilidade, concretamente na relação estável e
fiel com o outro no casamento. Mas, aqui, o indivíduo ainda está sob a lei
geral. Só no estádio religioso o indivíduo se encontra verdadeiramente a si
próprio e à sua singularidade no "abandono mais absoluto" a Deus, o totalmente
Outro. O religioso é "o sério, e o sério é: o único". "Tornar-se cristão é a
coisa mais decisiva que um homem pode tornar-se", pois resolve o seu "paradoxo":
no tempo, decidir e encontrar a eternidade. A fé tem o seu modelo em Abraão a
quem Deus mandou sacrificar o filho. Segundo a exegese, o que o texto diz é que
Deus põe termo aos sacrifícios humanos. Aliás, Kant, confrontado com o tema,
escreveu que Abraão deveria ter dito a Deus que não era seguro que a voz que
ouvia fosse de Deus, mas era certo que não devia matar. Kierkegaard, porém,
coloca-se noutro plano: o do combate da fé, numa luta de vida e de morte com
Deus. Deus põe à prova a fé de Abraão e o seu amor, quer ver se realmente O ama.
Abraão, por sua vez, põe também Deus à prova: dispõe-se a matar o filho, mas, se
Deus não intervier, só pode tornar-se ateu. Deus interveio. A fé e o amor são
levados ao paroxismo. Luterano, foi crítico ácido da Igreja oficial
dinamarquesa: "Na sumptuosa catedral, eis que aparece o Reverendíssimo e
Venerabilíssimo pregador da Corte, o eleito do grande mundo, e aparece perante
um círculo de uma elite e prega com emoção sobre este texto que ele mesmo
escolheu: "Deus escolheu o que é humilde e desprezado no mundo" - e ninguém se
põe a rir." Mas, já à beira da morte, foi-lhe perguntado se acreditava em Jesus
Cristo. E ele (cito de cor): "Sim. Em quem haveria de acreditar nesta hora?"
«O êxito de um bom dito reside no ouvido daquele que o escuta, não daquele que o pronuncia» (Shakespeare)
"Porquê?" & "Para quê?"
Impõe-se-me, como autor do blogue, dar uma explicação, ainda que breve, do "porquê" e do "para quê" da sua criação. O título já por si diz alguma coisa, mas não o suficiente. E será a partir dele, título, que construirei esse "suficiente". Vamos a isso! Assim:
Dito de dizer, escrever, noticiar, informar, motivar, explicar, divulgar, partilhar, denunciar, tudo aquilo que tenho e penso merecer sê-lo. Feito de fazer, actuar, concretizar, agir, reunir, construir. Um pressupõe e implica, necessariamente, o outro - «de palavras está o mundo cheio». Se muitos & bons discursos ditos, mas poucas ou nenhumas acções que tornem o mundo, um lugar, no mínimo, suportável para se viver, «olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço», então nada feito!!!
«Para bom entendedor meia palavra basta» - meu dito meu feito, palavras e motivo.
Dito de dizer, escrever, noticiar, informar, motivar, explicar, divulgar, partilhar, denunciar, tudo aquilo que tenho e penso merecer sê-lo. Feito de fazer, actuar, concretizar, agir, reunir, construir. Um pressupõe e implica, necessariamente, o outro - «de palavras está o mundo cheio». Se muitos & bons discursos ditos, mas poucas ou nenhumas acções que tornem o mundo, um lugar, no mínimo, suportável para se viver, «olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço», então nada feito!!!
«Para bom entendedor meia palavra basta» - meu dito meu feito, palavras e motivo.
quarta-feira, 28 de agosto de 2013
ESPIRITUALIDADE: Os três estádios da existência e o combate da fé
por ANSELMO BORGES, in DN de 27-07-2013
Etiquetas:
Abraão,
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