LEITURA I –
Jer 1,4-5.17-19
Leitura do Livro de Jeremias
No tempo de Josias, rei de Judá,
a palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos:
«Antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi;
antes que saísses do seio de tua mãe, Eu te consagrei
e te constituí profeta entre as nações.
Cinge os teus rins e levanta-te,
para ires dizer tudo o que Eu te ordenar.
Não temas diante deles,
senão serei Eu que te farei temer a sua presença.
Hoje mesmo faço de ti uma cidade fortificada,
uma coluna de ferro e uma muralha de bronze,
diante de todo este país, dos reis de Judá e dos seus chefes,
diante dos sacerdotes e do povo da terra.
Eles combaterão contra ti, mas não poderão vencer-te,
porque Eu estou contigo para te salvar».
AMBIENTE
A actividade profética de Jeremias começa por volta de 627/626 a.C. (quando o profeta teria pouco mais de vinte anos) e prolonga-se até depois da queda de Jerusalém nas mãos dos Babilónios (586 a.C.). O cenário dessa actividade é, em geral, o reino de Judá (e, sobretudo, a cidade de Jerusalém).
É uma época muito conturbada, quer a nível político, quer a nível religioso. Judá acabou de sair dos reinados de Manassés (698-643 a.C.) e de Amon (643-640 a.C.), reis ímpios que multiplicaram no país os altares aos deuses estrangeiros e levaram o Povo a afastar-se de Jahwéh. Na época em que Jeremias começa o seu ministério profético, o rei de Judá é Josias (640-609 a.C.): trata-se de um rei bom, que procura eliminar o culto aos deuses estrangeiros e concentrar a vida litúrgica de Judá num único lugar – o Templo de Jerusalém. No entanto, a reforma religiosa levada a cabo por Josias levanta algumas resistências; por outro lado, é uma reforma que é mais aparente do que real: não se pode, por decreto e de repente, corrigir o coração do Povo e eliminar hábitos religiosos cultivados ao longo de algumas dezenas de anos.
É neste ambiente que Jeremias é chamado por Deus e enviado em missão.
MENSAGEM
O texto que nos é proposto apresenta o relato que Jeremias faz do seu chamamento por Deus. Mais do que uma reportagem do “momento” em que Deus chamou o profeta, trata-se de uma reflexão e de uma catequese sobre esse mistério sempre antigo e sempre novo a que chamamos “vocação”.
A vocação profética, na perspectiva de Jeremias, é, em primeiro lugar, um encontro com Deus e com a sua Palavra (“a Palavra do Senhor foi-me dirigida…” – vers. 4). A Palavra marca, a partir daí, a vida do profeta e passa a ser, para ele, a única coisa decisiva.
Em segundo lugar, a vocação é um desígnio divino: foi Deus que escolheu, consagrou e constituiu Jeremias como profeta. Dizer que Deus “escolheu” o profeta (literalmente, “conheceu” – do verbo “yada‘”) é dizer que Deus, por sua iniciativa, estabeleceu desde sempre com ele uma relação estreita e íntima, de forma que o profeta, vivendo na órbita de Deus, aprendesse a discernir os planos de Deus para os homens e para o mundo. Dizer que Deus “consagrou” o profeta significa que Deus o “reservou”, que o “pôs à parte” para o seu serviço. Dizer que Deus “constituiu” o profeta “para as nações” significa que Deus lhe confiou uma missão, missão que tem um alcance universal. Tudo isto, no entanto, resulta da acção e da escolha de Deus, é iniciativa de Deus e não escolha do homem.
Na segunda parte do texto, temos o envio formal do profeta. Ele deve ir “dizer o que o Senhor ordenar”, sem medo nem servilismo, enfrentando os grandes da terra, armado apenas com a força de Deus. É a definição do “caminho profético”, percorrido no sofrimento, no risco, na solidão, no conflito com todos os que se opõem à proposta de Deus. A leitura de hoje termina com um convite à confiança: “não poderão vencer-te, porque Eu estou contigo para te salvar” – vers. 19).
A vida de Jeremias realizou, integralmente, o projecto de Deus. A propósito e a despropósito, Jeremias denunciou, criticou, demoliu e destruiu, edificou e plantou. Não teve muito êxito: a família, os amigos, o povo de Jerusalém, as autoridades, os sacerdotes, viraram-lhe as costas, marginalizaram-no, perseguiram-no e maltrataram-no. No entanto, Jeremias nunca renunciou: Deus invadiu-lhe de tal forma a vida, e a paixão pela Palavra de Deus “apanhou-o” de tal forma, que o profeta viveu até ao fim, com a máxima intensidade, a sua missão.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar, para reflexão, as seguintes questões:
• Os “profetas” não são uma classe de animais extintos há muitos séculos, mas são uma realidade com que Deus continua a contar para intervir no mundo e para recriar a história. Quem são, hoje, os profetas? Onde estão eles?
• No Baptismo, fomos ungidos como profetas, à imagem de Cristo. Estamos conscientes dessa vocação a que Deus a todos nos convocou? Temos a noção de que somos a “boca” através da qual a Palavra de Deus se dirige aos homens?
• O profeta é o homem que vive de olhos postos em Deus e de olhos postos no mundo (numa mão a Bíblia, na outra o jornal diário). Vivendo em comunhão com Deus e intuindo o projecto que Ele tem para o mundo, e confrontando esse projecto com a realidade humana, o profeta percebe a distância que vai do sonho de Deus à realidade dos homens. É aí que ele intervém, em nome de Deus, para denunciar, para avisar, para corrigir. Somos estas pessoas, simultaneamente em comunhão com Deus e atentas às realidades que desfeiam o nosso mundo?
• A denúncia profética implica, tantas vezes, a perseguição, o sofrimento, a marginalização e, em tantos casos, a própria morte (Óscar Romero, Luther King, Gandhi…). Como lidamos com a injustiça e com tudo aquilo que rouba a dignidade dos homens? O medo, o comodismo, a preguiça, alguma vez nos impediram de ser profetas?
• Em concreto, em que situações sou chamado, no dia a dia, a exercer a minha vocação profética?
• “Nenhum profeta é bem recebido na sua terra”. Os habitantes de Nazaré julgam conhecer Jesus, viram-n’O crescer, sabem identificar a sua família e os seus amigos mas, na realidade, não perceberam a profundidade do seu mistério. Trata-se de um conhecimento superficial, teórico, que não leva a uma verdadeira adesão à proposta de Jesus. Na realidade, é uma situação que pode não nos ser totalmente estranha: lidamos todos os dias com Jesus, somos capazes de falar algumas horas sobre Ele; mas a sua proposta tem impacto em nós e transforma a nossa existência?
• “Faz também aqui na terra o que ouvimos dizer que fizestes em Cafarnaum” – pedem os habitantes de Nazaré. Esta é a atitude de quem procura Jesus para ver o seu espectáculo ou para resolver os seus problemazinhos pessoais. Supõe a perspectiva de um Deus comerciante, de quem nos aproximamos para fazer negócio. Qual é o nosso Deus? O Deus de quem esperamos espectáculo em nosso favor, ou o Deus que em Jesus nos apresenta uma proposta séria de salvação que é preciso concretizar na vida do dia a dia?
• Como na primeira leitura, o Evangelho propõe-nos uma reflexão sobre o “caminho do profeta”: é um caminho onde se lida, permanentemente, com a incompreensão, com a solidão, com o risco… É, no entanto, um caminho que Deus nos chama a percorrer, na fidelidade à sua Palavra. Temos a coragem de seguir este caminho? As “bocas” dos outros, as críticas que magoam, a solidão e o abandono, alguma vez nos impediram de cumprir a missão que o nosso Deus nos confiou?
FONTE: http://www.dehonianos.org/portal/liturgia_dominical_ver.asp?liturgiaid=447