EVANGELHO – Jo 2,1-11
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo,
realizou-se um casamento em Caná da Galileia
e estava lá a Mãe de Jesus.
Jesus e os seus discípulos
foram também convidados para o casamento.
A certa altura faltou o vinho.
Então a Mãe de Jesus disse-Lhe:
«Não têm vinho».
Jesus respondeu-Lhe:
«Mulher, que temos nós com isso?
Ainda não chegou a minha hora».
Sua Mãe disse aos serventes:
«Fazei tudo o que Ele vos disser».
Havia ali seis talhas de pedra,
destinadas à purificação dos judeus,
levando cada uma de duas a três medidas.
Disse-lhes Jesus:
«Enchei essas talhas de água».
Eles encheram-nas até acima.
Depois disse-lhes:
«Tirai agora e levai ao chefe de mesa».
E eles levaram.
Quando o chefe de mesa provou a água transformada em vinho,
– ele não sabia de onde viera,
pois só os serventes, que tinham tirado a água, sabiam –
chamou o noivo e disse-lhe:
«Toda a gente serve primeiro o vinho bom
e, depois de os convidados terem bebido bem,
serve o inferior.
Mas tu guardaste o vinho bom até agora».
Foi assim que, em Caná da Galileia,
Jesus deu início aos seus milagres.
Manifestou a sua glória
e os discípulos acreditaram n’Ele.
AMBIENTE
Este texto pertence à “secção introdutória” do Quarto Evangelho (que vai de 1,19 a 3,36). Nessa secção, o autor apresenta um conjunto de cenas (com contínuas entradas e saídas de personagens, como se estivéssemos no palco de um teatro), destinadas a apresentar Jesus e o seu programa.
O autor declara explicitamente (cf. Jo 2,11) que o episódio pertence à categoria dos “signos” (“semeiôn”): trata-se de acções simbólicas, de sinais indicadores, que nos convidam a procurar, para além do episódio concreto, uma realidade mais profunda para a qual aponta o facto narrado. O importante, aqui, não é que Jesus tenha transformado a água em vinho; mas é apresentar o programa de Jesus: trazer à relação entre Deus e o homem o vinho da alegria, do amor e da festa.
MENSAGEM
O episódio narrado é, pois, uma acção simbólica que aponta para algo mais importante do que o próprio fenómeno concreto descrito. Que realidade é essa?
O cenário de fundo é o de um casamento. Ora, o cenário das bodas ou do noivado é (como vimos na primeira leitura) um quadro onde se reflecte a relação de amor entre Jahwéh e o seu Povo. Dito de outra forma, estamos no contexto da “aliança” entre Israel e o seu Deus.
A essa “aliança” vem, em certa altura, a faltar o vinho. O “vinho”, elemento indispensável na “boda”, é símbolo do amor entre o esposo e a esposa (cf. Cant 1,2;4,10;7,10;8,2. Recordar, a propósito, como Isaías compara a “aliança” com uma vinha plantada pelo Senhor, que não produziu frutos – cf. Is 5,1-7), bem como da alegria e da festa (cf. Sir 40,20; Qoh 10,19). Constata-se, portanto, a realidade da antiga “aliança”: tornou-se uma relação seca, sem alegria, sem amor e sem festa, que já não potencia o encontro amoroso entre Israel e o seu Deus. Esta realidade de uma “aliança” estéril e falida é representada pelas “seis talhas de pedra destinadas à purificação dos judeus”. O número seis evoca a imperfeição, o incompleto; a “pedra” evoca as tábuas de pedra da Lei do Sinai e os corações de pedra de que falava o profeta Ezequiel (cf. Ez 36,26); a referência à “purificação” evoca os ritos e exigências da antiga Lei que revelavam um Deus susceptível, zeloso, impositivo, que guarda distâncias: ora, um Deus assim pode-se temer, mas não amar… As talhas estão “vazias”, porque todo este aparato era inútil e ineficaz: não servia para aproximar o homem de Deus, mas sim para o afastar desse Deus difícil e distante.
Detenhamo-nos, agora, nas personagens apresentadas. Temos, em primeiro lugar, a “mãe”: ela “estava lá”, como se pertencesse à boda; por outro lado, é ela que se apercebe do intolerável da situação (“não têm vinho”): representa o Israel fiel, que já se tinha apercebido da realidade e que esperava que o Messias pusesse cobro à situação.
Temos, depois, o “chefe de mesa”: representa os dirigentes judeus, instalados comodamente, que não se apercebem – ou não estão interessados em entender – que a antiga “aliança” caducou.
Os “serventes” são os que colaboram com o Messias, que estão dispostos a fazer tudo “o que Ele disser” (cf. Ex 19,8) para que a “aliança” seja revitalizada.
Temos, finalmente, Jesus: é a Ele que o Israel fiel (a “mulher”/mãe) se dirige no sentido de dar nova vida a essa “aliança” caduca; mas o Messias anuncia que é preciso deixar cair essa “aliança” onde falta o vinho do amor (“que temos nós com isso?”). A obra de Jesus não será preservar as instituições antigas, mas apresentar uma radical novidade… Isso acontecerá quando chegar a “Hora” (a “Hora” é, em João, o momento da morte na cruz, quando Jesus derramar sobre a humanidade essa lição do amor total de Deus).
O episódio das “bodas de Caná” anuncia, portanto, o programa de Jesus: trazer à relação entre Deus e os homens o vinho da alegria, do amor e da festa. Este programa – que Jesus vai cumprir paulatinamente ao longo de toda a sua vida – realizar-se-á em plenitude no momento da “Hora” – da doação total por amor.
ACTUALIZAÇÃO
Na reflexão e actualização, considerar as seguintes questões:
• Quando a relação com Deus assenta num jogo intrincado de ritos externos, de regras e de obrigações que é preciso cumprir, a religião torna-se um pesadelo insuportável que tiraniza e oprime. Ora, Jesus veio revelar-nos Deus como um Pai bondoso e terno, que fica feliz quando pode amar os seus filhos. É esse o “vinho” que Jesus veio trazer para alegrar a “aliança”: o “vinho” do amor de Deus, que produz alegria e que nos leva à festa do encontro com o Pai e com os irmãos. A nossa “religião” é isto mesmo – o encontro com o Jesus que nos dá o vinho do amor?
• O que é que os nossos olhos e os nossos lábios revelam aos outros: a alegria que brota de um coração cheio de amor, ou o medo e a tristeza que brotam de uma religião de pesadelo, de leis e de medo?
• Com qual das personagens que participam da “boda” nos identificamos: com o chefe de mesa, comodamente instalado numa religião estéril, vazia e hipócrita, com a “mulher”/mãe que pede a Jesus que resolva a situação, ou com os “serventes” que vão fazer “tudo o que Ele disser” e colaborar com Jesus no estabelecimento da nova realidade?
BILHETE DE EVANGELHO.
Passam-se coisas nesta sala da boda. Maria, com a sua intuição feminina, percebe o embaraço do mestre do banquete: vai faltar vinho. Di-lo a Jesus. Procurava ela informá-l’O apenas? Pensava ela que Ele podia fazer qualquer coisa? Jesus pede a sua mãe para renovar o seu acto de fé. Como há trinta anos, ela pede aos serventes o que o anjo lhe havia pedido: “fazei o que Ele vos disser! Tende confiança n’Ele!” E eis que as talhas destinadas às abluções rituais da religião judaica vão servir para manifestar a plenitude do dom de Deus e a nova relação dos homens com Deus. É proposto um novo rito, vai ser selada uma nova Aliança. Uma Aliança que selará para sempre a relação de Deus com a humanidade.
À ESCUTA DA PALAVRA.
Para São João, os “milagres” são sempre “sinais” que nos reenviam para além da materialidade dos factos. Será bom olhar com mais atenção esta água mudada em vinho. A água é um elemento vital. Mas é, antes de mais, um elemento ordinário e bruto. A água encontra-se na natureza, não precisa de ser fabricada. O vinho é fruto da vinha, mas também do trabalho do homem, como dizemos na Eucaristia. Jesus manda encher as talhas de água, a água que é símbolo da nossa vida ordinária, de todos os dias. Jesus toma esta água ordinária para a transformar. Não com uma varinha mágica, mas com a força do Espírito Santo, com a força do amor. É porque este vinho é melhor que o vinho dos homens… Por este “sinal”, Jesus quer vir ter connosco na nossa vida ordinária, para aí colocar a sua presença de amor, o amor do Pai, o Espírito Santo. Toma a nossa vida, com as nossas alegrias, os nossos amores, as nossas conquistas humanas, importantes mas tantas vezes efémeras, com os nossos tédios, os nossos dias sem gosto e sem cor, os nossos fracassos e mesmo os nossos pecados, também eles ordinários. E aí, Ele “trabalha-nos” pelo seu amor, no segredo, para fazer brotar em nós a vida que tem o sabor do vinho do Reino. Isto, Ele cumpre-o em particular cada vez que participamos na Eucaristia. Façamos do “tempo ordinário” o tempo do acolhimento do trabalho em nós do Vinhateiro divino!
PALAVRA PARA O CAMINHO…
Na segunda leitura, São Paulo fala do mesmo Espírito, do mesmo Senhor, do mesmo Deus que realiza tudo em todos: os nossos dons são-nos oferecidos. O mesmo e único Espírito distribui os seus dons a cada um, segundo a sua livre vontade. No uso que fazemos dos nossos dons, procuremos a humildade: sobretudo não desprezemos aqueles que receberam, pelo menos aparentemente, dons menos vistosos ou menos impressionantes! Deus age à sua maneira, que não é a nossa. Geralmente, estamos habituados a olhar o outro à nossa maneira e não à maneira de Deus, a ver quase só os seus defeitos e não os seus dons. Ao longo da semana, procuremos valorizar o dom que o irmão é para nós, em particular, aqueles com quem nos encontramos em casa, na comunidade, no trabalho, no estudo…