"Porquê?" & "Para quê?"

Impõe-se-me, como autor do blogue, dar uma explicação, ainda que breve, do "porquê" e do "para quê" da sua criação. O título já por si diz alguma coisa, mas não o suficiente. E será a partir dele, título, que construirei esse "suficiente". Vamos a isso! Assim:
Dito de dizer, escrever, noticiar, informar, motivar, explicar, divulgar, partilhar, denunciar, tudo aquilo que tenho e penso merecer sê-lo. Feito de fazer, actuar, concretizar, agir, reunir, construir. Um pressupõe e implica, necessariamente, o outro - «de palavras está o mundo cheio». Se muitos & bons discursos ditos, mas poucas ou nenhumas acções que tornem o mundo, um lugar, no mínimo, suportável para se viver, «olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço», então nada feito!!!

«Para bom entendedor meia palavra basta» - meu dito meu feito, palavras e motivo.





























sexta-feira, 11 de maio de 2012

LIVRO & LEITURA

José Mattoso http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Mattoso publicou recentemente o livro “Levantar o Céu – Os Labirintos da Sabedoria”, recolha de textos de intervenção cívica e espiritual da sua autoria, http://www.fnac.pt/Levantar-o-Ceu-Jose-Mattoso/a563704.
O especialista em estudos medievais nasceu em Leiria no ano de 1933, doutorou-se na universidade belga de Lovaina, foi docente da Faculdade de Letras de Lisboa nos anos 70 e desde então, até à década de 90, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, de que foi vice-reitor.
Em 2011 foi um dos convidados da Jornada da Pastoral da Cultura, onde apresentou a conferência “Sabedoria e Fraternidade”.
O novo volume, editado pela “Temas e Debates / Círculo de Leitores”, foi pretexto para duas entrevistas ao “Público” e ao “Jornal de Letras”, conduzidas por António Marujo e Maria Leonor Nunes, esta por correio eletrónico, de que publicamos alguns excertos.
«Ignorada pela alta finança, ofendida pelos políticos, agredida pela maioria da comunicação social, ameaçada pela cegueira da violência, desejada e praticada por muitos pobres, fracos e oprimidos, ameaçada pelos senhores da técnica, cultivada pelos místicos e contemplativos, esperança dos verdadeiros crentes de todas as religiões, aliada dos que respeitam a Natureza, sustentada pelos que buscam a beleza e a arte – a sabedoria está um pouco por toda a parte. Mas ninguém a vê.»
«A sabedoria vive no labirinto do mundo contemporâneo justamente por se esconder sob muitas formas. É ignorada por muitos que julgam possuí-la. Acredita na eficácia dos pequenos passos. Confia mais na qualidade do que na quantidade. Confere o dom de superar a contradição (o céu e a terra, o bom e o mau, o forte e o fraco, o pequeno e o grande). Sabe esperar a sua vez. Permanece e multiplica-se de forma incompreensível.»
«Apesar da sua fraqueza [a sabedoria] é o antídoto mais poderoso contra a angústia que nos causa um mundo à beira do colapso. É ela que nos ensina o que é importante e o que é secundário.»
«A ameaça do colapso da nossa civilização é real. O espectro do desemprego ou o da paralisação universal causada pela escassez da energia e da água, por exemplo, espalha por toda a parte o medo do futuro. Todos perguntamos como iremos atravessar a “crise”. Revoltamo-nos, com razão, por os seus responsáveis serem os menos afetados, e termos nós de a pagar. Mas é preciso defender a Vida. Lutar contra a morte. A sabedoria ensina-nos a sobreviver, a procurar a alegria e a verdade com os meios que temos, e não pede nada por isso.»
«Um dos mais graves problemas do mundo contemporâneo é a crise dos valores. É uma das consequências da perda de noção de “sagrado”. Sem o seu apoio é impossível justificar o respeito por valores intangíveis. Abre-se a Porta ao arbitrário, à irresponsabilidade, à espiral da Laranja Mecânica. A noção de “sagrado” é de natureza religiosa. mas nada impede que seja recuperada por uma civilização secularizada.»
«A minha proposta de “levantar o céu” tem subjacente a ideia de que é preciso temperar ou equilibrar o materialismo contemporâneo por meio de uma espiritualidade que pode envolver todas as manifestações da vida humana. A metáfora do caminho labiríntico que é preciso percorrer para encontrar a sabedoria do entender e do agir alude, de facto, à atual ambiguidade e reversibilidade de toda a linguagem, de toda a obra humana e de todas as ações, e à necessidade de superar as suas contradições. Tanto um conceito como o outro aludem a uma conciliação dos opostos que a civilização ocidental esqueceu, mas está bem viva na sabedoria oriental.»
«Podemos ter uma atitude política, tentar intervir na realidade. Mas, se não formos conduzidos pela fé, o realismo leva-nos a desistir. O cristão tem possibilidade de se livrar dessa fatalidade na sua relação com o céu. Na metáfora que utilizo, levantar o céu, é trazer a terra ao encontro do céu.
Aí, não estamos sós. Temos a intervenção de Deus, temos a fé na redenção, no perdão dos pecados, no valor do sofrimento, na abnegação, na bondade... Temos também a fé na cultura, na inspiração extraordinária dos grandes artistas, que alcançam níveis fantásticos de captação da bondade, da beleza do mundo. E temos a renovação constante da vida: se há um incêndio numa mata, vemos daí a pouco aparecerem as flores, as ervas. A vida não desiste de se reproduzir, de envolver a realidade.»
«Quando falo em levantar o céu, é todo o universo, são realidades espirituais, a arte, mesmo a que não tem nada que ver com a religião, porque representa uma forma de melhorar o ser. O ser é sempre parcialmente realizado. Ao falar na beleza, não se pressupõe que ela não possa conter também alguma coisa de fealdade. Os antagonismos, fundamento do pensamento ocidental, em que se baseia a visão da realidade, são muitas vezes parciais.»
«[Creio que é possível a coexistência da sabedoria, razão e fé,] contanto que a razão não prevaleça sobre a sabedoria e a fé. Mas a razão é fundamental. A formulação teológica do século XII, de São Tomás de Aquino e da teologia escolástica, é a demonstração mais categórica da capacidade de conciliar a fé com a razão. Isso representa um progresso enorme na compreensão da mensagem evangélica. Portanto, não há uma oposição inconciliável. O pietismo, uma devoção sentimental que é por vezes a expressão de um culto popular, precisa da reflexão racional para se tornar aceitável.
Em Portugal, não se cultivou suficientemente a teologia, na sua expressão plena. Não há uma tradição de estudos teológicos suficientemente válidos do ponto de vista racional, para poder responder a um anticlericalismo primário e cego que existiu em Portugal no século XIX e grande parte do século XX.»
«A bondade pode ser praticada numa conceção laical, laicista mesmo. Não precisa de ter nenhum sobrenatural por trás. Mas o cristão tem essa propensão, se a cultivar. E tem o exemplo de Jesus Cristo que leva isso a um extremo que o homem, só por si, não alcança.»
«A realidade do ser humano implica o bem e o mal, como se conciliam, como entram em relação um com o outro... Os livros que têm aparecido a negar a existência de Deus dizem que, se Deus existisse, teria que intervir para que a maldade humana não prevalecesse. A oposição inconciliável entre o bem e o mal leva a negar a existência de Deus.
Qualquer pessoa que considere as coisas em termos de justiça e verifique o que se passa no mundo ou a crueldade no Holocausto, diz: como é que Deus permite isto, como é que estes homens fazem isto e quem sofre são as vítimas?
Para mim também é difícil aceitar esta realidade. Talvez seja numa visão de totalidade, em que o bem não pode existir sem o mal, que se pode aceitar e encontrar uma relação com o ser do homem. O ser implica também o ser mau.»
«Para o homem de fé, é preciso aprofundar esta noção da sabedoria, que se baseia numa experiência vivida e na meditação da palavra como fundadora da própria realidade, de autenticidade dos conceitos e dos valores.»
«Que estratégia a Igreja deveria seguir, para não perder o lugar que chegou a alcançar? Penso que é sobretudo na vivência do Evangelho, na autenticidade da vida cristã. Não de uma forma pietista, mas de forma autêntica, vivencial e esclarecida. Há uma grande quantidade de questões que resultam da ignorância teológica pura e simples.»
«Os cartuxos só admitem vocações até aos 40 anos, já tenho o dobro, não sei se tenho capacidades de viver sozinho. Mas pelo menos queria, com a liberdade pessoal suficiente e sem imposição de tempo, dedicar-me à oração. Mais do que isso: dedicar-me a descobrir o valor da palavra, o autêntico significado da palavra, no sentido de linguagem, de expressão da realidade, no sentido de logos. Encontrar-me na meditação da palavra como expressão do mundo, da existência, da história, e descobrir-lhe um sentido.»

António Marujo, Maria Leonor Nunes
In Público / Jornal de Letras
08.05.12




http://www.snpcultura.org/jose_mattoso_sabedoria_e_fraternidade.html

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