"Porquê?" & "Para quê?"

Impõe-se-me, como autor do blogue, dar uma explicação, ainda que breve, do "porquê" e do "para quê" da sua criação. O título já por si diz alguma coisa, mas não o suficiente. E será a partir dele, título, que construirei esse "suficiente". Vamos a isso! Assim:
Dito de dizer, escrever, noticiar, informar, motivar, explicar, divulgar, partilhar, denunciar, tudo aquilo que tenho e penso merecer sê-lo. Feito de fazer, actuar, concretizar, agir, reunir, construir. Um pressupõe e implica, necessariamente, o outro - «de palavras está o mundo cheio». Se muitos & bons discursos ditos, mas poucas ou nenhumas acções que tornem o mundo, um lugar, no mínimo, suportável para se viver, «olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço», então nada feito!!!

«Para bom entendedor meia palavra basta» - meu dito meu feito, palavras e motivo.





























terça-feira, 3 de julho de 2012

3 de JULHO de 1987: Lembrar e homenagear o Pe. Alberto Neto porque...

..."o esquecimento é a morte de tudo quanto vive no coração" (Karr, Alphonse) e "Há uma coisa mais aviltadora do que o desprezo: é o esquecimento." (Castelo Branco, Camilo). E ele não merece isso, bem pelo contrário!

Conhecem ou lembram-se deste Homem e Padre, assim mesmo, com letra grande? O Homem e o Padre da célebre vigília de fim de ano, 1972/73, na Capela do Rato de que era o capelão? Pois, pois, foi cobardemente assassinado com um tiro de pistola, faz 25 anos, hoje dia 3 de Julho de 2012, sobre essa data fatídica e perda muito triste. Porquê? Fora os negritos & sublinhados que são da minha responsabilidade, os textos, três, que se seguem e que são da época (1969/71) - note-se - fazem perceber, entender e explicar tudo, tudo, acerca desse porquê. Do assassinato, mas também e sobretudo do "H" de Homem e "P" de Padre grandes.

Padre Alberto Neto «viveu e morreu como um profeta
O padre Alberto Neto «viveu e morreu como um profeta», declara o cónego António Janela em entrevista que o Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura publica no dia em que passam 25 anos da sua morte. A convivência com o desporto, que não se resumia a defender o clube de Alvalade, foi um pretexto para se aproximar dos jovens. Era um homem «humilde», em que «a opção preferencial pelos pobres não era um chavão; era uma realidade concreta». «Sabia que pisava um terreno minado mas o padre Alberto era um homem corajoso. Sofreu as consequências de se não se ter refugiado na comodidade do clérigo que faz o seu serviço, e ponto final. Ele arriscou e pagou com a própria vida».

A Fé vê-se na prática da justiça e do bem
(...) Muitos andam a ouvir a palavra de Deus há tantos anos... Tantos a ouviram no tempo de Cristo e tão poucos foram tocados, apanhados vitalmente pelo mesmo Cristo. Os que voltam atrás, depois de o ouvirem, os que nunca se vão, os que são capazes de aceitar a marcha dolorosa do continuar a ser com Ele e por Ele, esses entenderam que a Fé é mais do que a aceitação intelectual de verdades apanhadas na linha de inteligência, é mais do que um esforço da linha vontade, ou é mais do que um deixar-se deslumbrar pela sensibilidade. É, acima de tudo, ser tocado de amizade profunda e de confiança absoluta. É descobrir naquele homem alguém que dá sentido à própria vida. E isso foi um estrangeiro que descobriu. É impressionante que Cristo três vezes diz no Evangelho: «Nunca vi Fé semelhante a esta em Israel».
Foi sempre nos pagãos e nos estrangeiros que Ele encontrou esta pureza, esta claridade de Fé. E reparai na Fé deste homem: andam os teólogos para aí a discutir se ela era implícita ou explícita, nem ele sabe, mas Cristo diz-lhe: «A tua Fé te salvou. Vai em paz». Ele era um pagão. Ele veio ter com aquele que lhe diziam que era de Deus, e apostou em tudo o que Ele lhe disse. Mandaram-no aos sacerdotes e ele ia para lá, e no caminho sentiu-se limpo, como Naaman se sentiu limpo ao banhar-se nas águas de Jordão. E voltou para trás, ainda antes de chegar aos sacerdotes, a encontrar aquele que o tinha mandado e a perguntar-lhe: «Porquê?». E a Fé salvou-o. E ele ficou de facto apanhado radical e interiormente. Então a Fé deixou de ser uma mera aceitação e começou a ser um compromisso intenso, verdadeiro.
Onde estão os outros? Não eram dez? Perguntemos honestamente a quem está aqui: onde estão os milhões de batizados que a Igreja fez? Onde estão as toneladas de primeiras comunhões? Onde estão, as miríades de retiros, cursos, peregrinações e pregações? Onde estão os que voltaram disso? Onde estão os que têm o seu corpo capaz de aceitar as marcas das chagas e da ressurreição de Cristo? Onde estão?
A Fé não é um ato passivo, nem apenas um dom de Deus. A Fé é a aceitação misteriosa duma vida que permanentemente cresce em união com Cristo, ao serviço dos homens. A Fé vê-se! Não andamos nós, irmãos, a perder tempo em tertúlias religiosas, em entretenimentos espirituais inofensivos e que não chegam a ser sinal para ninguém? Perguntava aqui na quarta-feira passada um padre, Professor da Universidade Gregoriana de Roma, se a Igreja não tem sido em certo aspeto como que uma fábrica de sucursais de Coca-Cola. Eu explico: a Igreja tem uma doutrina, tem os sacramentos, e vai abrindo sucursais; e depois nas sucursais põe um funcionário, que é o sacerdote, que faz propaganda e que distribui, não digo a Coca-Cola, mas os sacramentos. E assim se vão multiplicando por aí as agências; e as pessoas veem e andam entretidas, e depois escandalizam o próximo com tantas comunhões sem nenhuma vida, com tantas pregações e retiros sem nenhum comprometimento concreto, com tantas coisas feitas em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e com tanto paganismo em tudo o que somos e temos.
Disseram os padres americanos no Sínodo que esta era a hora da verdade, e que os homens já não aceitavam meias verdades, nem simulações, nem fintas. É a hora da verdade. A Igreja tem que se deixar de andar a empatar padres e tantos leigos em meras pregações e retiros, em meros cultos. Que será isto se lá fora não for qualquer coisa que vá daqui? A Igreja tem que dar sinal. Nós temos que explicar lá fora por que é que estamos aqui. Ou os homens entendem que nós vimos por aquilo que fazemos lá fora, ou é melhor que não venhamos aqui. Desculpai que eu continue a dizer dominicalmente o mesmo. Não é por vos não amar. É até porque não vos quero iludir. Porque não é o que diz «Senhor, Senhor», que entra no Reino dos Céus; não é o que proclama aqui em altos gritos que Deus é redentor e salvador, é o que lá fora salva e redime os homens com toda uma prática de justiça e de bem. Não teremos andado iludidos em entretenimentos espirituais, em tertúlias religiosas, em afadigar-nos completamente em distribuição de sacramentos, que valem mas que não tocam a liberdade interior das pessoas, e que são como água que cai sobre plástico, não apanhando interiormente o gérmen da liberdade do homem e da sua responsabilidade?
(...) Quando João e Pedro, no princípio da Igreja, subiam ao Templo para rezar, estava um coxo à porta do Templo e pediu-lhes esmola. Pedro olhou-o olhos nos olhos e disse-lhe: «Homem, eu não tenho ouro, nem prata...», era o chefe da Igreja, o primeiro Papa, «...eu não tenho ouro nem prata, mas do que tenho te dou: em nome de Jesus Nazaré, levanta-te e põe-te de pé!» E ele pôs-se. E eu pergunto: não será verdade talvez que a Igreja, porque hoje tem muito ouro e prata, não põe ninguém de pé? E continuam todos coxos e incapazes de fazer uma caminhada? Mas a Igreja somos nós! Não estamos nós brutalmente enriquecidos, intelectual e mesmo fisicamente e materialmente? Não estamos nós aburguesados, incapazes de uma autêntica mutação, de uma autêntica transformação interior? Ou estamos nós capazes de fazer experiências concretas da Igreja, por aí fora? Eis a pergunta. Seremos daqueles que são capazes de ficar comprometidos? Ou seremos daqueles que só quando têm dificuldades é que vêm? Por hábito, por tradição ou até por necessidade?
P. Alberto Neto
Capela do Rato, Lisboa, 9.10.71
© SNPC |29.06.12
Da missa para o mundo, do mundo para a missa
(...) Nós podemos, meus irmãos, tentar julgar que a prática da vida religiosa, que o cumprimento dos Sacramentos, que a vivência das festas litúrgicas serão o penhor da nossa vida eterna. Mas, por mais que nós esquadrinhemos a verdade dos Evangelhos, nós não encontramos ninguém à direita do Pai pelo número de missas que ouviu, pela série de comunhões que fez, pelo grupo de novenas que realizou, pelas peregrinações a Fátima que conseguiu fazer. Nem tão-pouco há no Evangelho a mais pequena referência a que iremos para a eternidade no fim de fazer nove primeiras sextas-feiras ou cinco primeiros sábados do mês. A única coisa que o Evangelho nos revela como partilha da eternidade de Deus é muito mais simples mas muito mais difícil, que o Apóstolo nos prevenia com muita verdade, aqui nesta Epístola: «A religião pura e perfeita, aos olhos de Deus, nosso Pai, consiste em socorrer os órfãos e as viúvas, em estar atento aos necessitados, em conservar-se reto no meio das seduções do mundo».
Aquilo que fará a eternidade dos homens é só e apenas a capacidade de eles conseguirem encontrar Deus em todos os homens, Deus no próximo, e Deus, de entre os próximos, no mais próximo e no mais pequeno. A entrada para a direita do Pai está no Evangelho de S. Mateus, da maneira mais clara e mais iniludível: «Anda, bendito de meu Pai: porque tive fome, deste-me de comer; tive sede, deste-me de beber; estava preso, visitaste-me; estava sozinho, sorriste-me; estava doente, foste a minha casa». E a resposta, naturalmente impetuosa, é esta: «Mas onde Te vi eu, Senhor, doente, preso, com fome e com sede?» - «O que fizeste ao mais pequeno, foi a mim que o fizeste».
A religião ainda não ganhou a dimensão social, não no aspeto político da palavra mas no seu aspeto sociológico (...); ainda não entendeu que a direita do Pai é a construção do mundo na justiça, é a construção duma comunidade onde os homens partilhem mais, sejam mais fraternos, tenham mais direito à cultura, tenham mais direito à verdade, tenham mais direito à informação, tenham mais direito a uma capacidade de serem livres até à medida da liberdade dos filhos da terra e dos filhos de Deus.
Se eu fizer muitas comunhões, se eu vier à missa de domingo, se eu tentar batizar todos os filhos de amigos que não são batizados — o que será para interrogarmos no fim se será de se fazer... - mas se eu não tiver caridade, desta caridade que não seja vã nem mentirosa, se eu não trabalhar para rebentar com as estruturas de injustiça onde o homem não vive mas apenas vegeta, se eu não tentar acabar com todos os círculos de ferro à minha volta que não deixam respirar a caridade, a justiça, a liberdade e o amor, eu posso fazer todas as comunhões, todos os sábados do mês, todas as sextas-feiras, todos os dias 13 em Fátima, que não consigo dar nem realizar nem a minha nem a salvação do mundo. Nós podemos reunir no Terreiro do Paço uma multidão extraordinariamente ardorosa que grita glórias a Deus e à Sua existência, ou, naquele grande terreiro de Fátima, à Virgem Maria, como Mãe de Deus. Deixará, talvez, algum «Ah!» de admiração nalguns espíritos. Deixará como que um respeito muito grande por uma multidão que acredita em alguma coisa. Mas podeis ter a certeza: não há uma conversão profunda, como regra, e duradoira, como regra, através desses sinais. Outrora, como hoje, a única coisa que constrói cristãos é uma verdade muito simples: «Vede como eles se amam». Foi assim, segundo o relato dos Atos dos Apóstolos, e terá que ser assim.
E sempre que a Igreja se reduz ao culto, ao ritualismo, para fugir da caridade impressa nas estruturas da vida, nas relações pessoais e humanas, a Igreja refugia-se em xaropes para tirar a tosse mas continua com uma profunda septicemia da qual não conhece a origem do gérmen. Ou nós conseguimos acreditar que o culto que vimos aqui realizar, ou que vamos realizar em cada lugar de culto, é a expressão de uma partilha já realizada anteriormente na vida, ou então a nossa missa, a nossa comunhão são uma mentira.
Eu tenho que ser sincero. Demorei muito tempo a compreender por que foi que Cristo, que podia celebrar a Eucaristia porque era o Sacerdote do Pai, apenas celebrou a Quinta-Feira Santa, depois de três anos intensos de trabalho, de oração, de exemplo, de fadiga, de dor, junto dos seus amigos. E, no entanto, só o descobri há pouco tempo porque fez-me impressão aquela palavra: «Eu desejava ardentemente comer esta Páscoa convosco». Então, porque não a realizou antes? Porque teve de repartir primeiro, com eles, a fraternidade, a palavra, o pão, o ensino, a misericórdia, a sinceridade. Teve que rebentar com toda aquela estrutura brutal de fariseus e saduceus; teve que denunciar todo o mal que não deixava o culto de Deus e o zelo de Deus virem ao de cima; teve que destrinçar toda aquela mistura brutal entre a política e a religião, em que os fortes dominavam os mais fracos e, à base da Lei, acabavam por destituir todos os puros de espírito. E então, quando o Senhor ainda não tinha completado a obra, nem tinha, digamos, a utopia - no mau sentido da palavra - de a querer realizar, mas a quis entregar a nós para que nós realizássemos o que falta à Sua Paixão; nesse momento Ele, então, com verdade e sem mentira pôde pegar no pão, pôde pegar no vinho e pôde olhar-nos olhos no olhos, mesmo àquele que O ia trair, e dizer: «Isto é o meu corpo. Isto é o meu sangue».
A missa, meus irmãos, é a profunda responsabilidade, é a profundíssima responsabilidade dos que só podem partilhar o Pão de Deus se tentam - não quer dizer que consigam - mas se tentam diariamente partilhar o pão da compreensão, do perdão, do amor, da fraternidade, da ajuda, da construção e da denúncia do mal junto das estruturas onde está implicada a sua vida social, política, económica ou cultural. (...)
P. Alberto Neto
Capela do Rato, Lisboa, 11.5.69
© SNPC | 30.06.12
FONTE: http://www.snpcultura.org/da_missa_para_o_mundo_do_mundo_para_a_missa.html

Um apelo aos católicos: da rotina à conversão
(...) Diz um autor que Cristo tinha a nostalgia dos pagãos, mas parece-me que o que Cristo tinha era a nostalgia de espíritos frescos, novos, abertos e impressionáveis à verdade. Estava farto, ao fim de 30 anos, de espiritos tristes, gordos, instalados, satisfeitos. Em Israel, como na Igreja, os espíritos de vez em quando estão habituados, ritualizados, crestados, envelhecidos pela rotina.
Encontramos na Judeia, como hoje na Igreja, praticantes sem alegria e crentes sem irradiação. O que nós podemos definir por cumpridores profissionais da missa, da comunhão e de alguns gestos cristãos. Nada os alertava. A única coisa a que reagiam era às mudanças litúrgicas, disciplinares, morais. Tal e qual como hoje o que os impressiona é uma cruz a mais ou a menos na missa, o padre lavar ou não lavar as mãos, o padre andar com cabeção ou não andar com cabeção. E mesmo assim reagiam. Porque quando havia uma mudança eles eram obrigados a pensar, a sair do marasmo, a fugir ao ritualismo habitual: era ou não era possível curar o homem que tinha a mão seca, ao sábado? - O sábado era o fim! - É ou não possível jejuar neste dia? Qual será no Céu a mulher do homem que casou com várias?
Eram os grandes problemas dos homens crentes do tempo! E tenho verificado que também hoje no liceu são os católicos que normalmente põem estas questões sem importância. Os grandes problemas religiosos são postos, tal como no tempo de Cristo, quase sempre por aqueles que parecem não ter fé. Quase nenhum crente pôs a Cristo um problema religioso fundamental. Apenas dois. Um que lhe perguntou: «Mestre, qual é o meu próximo?», mas o evangelista adverte que a pergunta foi feita para experimentar Cristo. Outro, o jovem rico que lhe perguntou: «Mestre, o que é necessário para ir para a vida eterna?» e que não foi capaz de responder afirmativamente ao convite de Cristo. Este foi o problema de Cristo. Cristo veio exigir de nós um novo tipo de existência. Revelou-nos Deus como Amor e pediu uma fé e uma adesão total a esse Amor. Em vão. Não o conseguiu. (...)
Não sei se já repararam que a nossa religião pode por vezes impedir-nos de sermos religiosos. Nós acreditamos há tanto tempo que já não acreditamos. Nós rezamos há tantos anos que já não rezamos. Nós esperamos há tanto tempo que parece que perdemos a esperança. «A luz brilhou nas trevas mas os homens amaram mais as trevas do que a Luz. Deus veio ao que era Seu e os seus não O receberam». A nossa fé, ou a nossa chamada fé, torna-nos por vezes satisfeitos, habituados, instalados e intolerantes, dogmáticos, homens cheios de soluções para tudo e para todos. Temos de ser integralmente honestos. Ou fazemos da nossa fé não um direito adquirido por família ou recebido de outrem mas uma loucura, uma descoberta, um dinamismo renovado... Ou fazemos nova a fé dos nossos pais e dos nossos avós, tornando-a muito pessoal, ou então cairemos na condição do povo judeu que confundiu fé com certezas. Fé não são certezas. Fé também são dúvidas. Faz parte do ato da fé a dúvida. Fé não são ritos nem gestos nem fórmulas. Por isso Deus disse no Antigo Testamento dos judeus: «Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração anda longe de mim».
O povo judeu é um exemplo para nós que somos a continuidade desses povo. Não tinha o povo judeu excelentes estruturas religiosas? Não havia na Judeia numerosos grupos de prática religiosa quase fanática? Não tinham eles a verdadeira religião? Cristo até disse que não a vinha destruir mas completá-la! Não tinham eles livros inspirados, dos quais disse Cristo que nem um jota nem um til deixariam de ser cumpridos? Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oseias, etc.
E no entanto diz-nos São João que apesar das estruturas, apesar da religião verdadeira, apesar de livros inspirados, apesar de profetas, Jesus veio ao que era seu e os seus não O reconheceram. É que as estruturas dos judeus, como muitas vezes as nossas estruturas cristãs, não estimulam, não alertam, não orientam para uma procura, mas ritualizam, criam rotina, destilam instalação, adormecem as pessoas. É uma questão vital. É perigoso pôr este problema. É duro pôr este problema. Os hábitos religiosos podem ser a maior barreira para uma autêntica religião. Há quanto tempo não param? Há quanto tempo não pararam e não perguntaram por que é que vão à missa do domingo? Há quanto não duvidam do que fazer, até para ter fé? Não reflitam apenas quando são atacados. Reflitam com calma.
Não praticamos a religião até por causa, muitas vezes, da religião que temos? Não aderimos à palavra de Deus por tão habituados estarmos de a ouvir? Numa palavra, cuidado com o profissionalismo. É tal e qual como o desporto. O desporto começa-se a viciar quando entra no campo do profissionalismo. A religião também. A religião, por mais que custe, é para amadores. Se não, vamos ver. Quem é que se opôs a Cristo na Judeia? Os profissionais! Fariseus, saduceus, doutores da lei e os grandes devotos! «Este homem é um endemoninhado, este homem é um sedutor das massas. Está a dizer coisas que são contra a Lei. A curar uma pessoa doente em dia de sábado». E Cristo teve que gritar: «Hipócrita, hipócrita, se o teu filho cair a um poço no sábado estás à espera do domingo para o ir tirar?»
Foram os profissionais que sempre atacaram Cristo, e foi por causa do profissionalismo religioso que Cristo morreu numa cruz. E quem é que aderiu a Cristo? Foram os amadores. Foi um leproso, foi um romano, foi a cananeia, foi a samaritana, foi a mulher adúltera e a mulher da Samaria que era prostituta e foi um homem chamado Zaqueu. Foram os amadores, os pobres, os que tinham medo de entrar no Templo, os que ficavam ao fundo, aqueles que não tinham profissão nenhuma, porque para se ser profissional tem que se saber do ofício e eles não sabiam nada. Sabiam que não eram dignos. E foram esses que mostraram, de facto, uma adesão a Cristo. Eu compreendo que Cristo tivesse a nostalgia dos pagãos, embora haja nos cristãos, de vez em quando, almas fracas e puras. Mas Cristo tinha fome daquilo que viu naquele centurião — jamais viu uma fé assim em Israel —, porque aquele homem não era profissional, era militar, e teve de fugir aos seus princípios. Era um romano e teve de se submeter a um judeu. Não tinha religião ou tinha uma religião pagã, e teve que vir ter com o profeta duma religião judaica. Teve que rebentar com barreiras. O que é que pensavam daquele centurião, que era um romano de valor, os que o viam ir ter com um judeu? Riam-se às gargalhadas. Mas ele, deixando todos os preconceitos, venceu as barreiras e foi: «Senhor, cura o meu criado». E o mais importante é que nem foi pedir por um filho. Foi por um simples criado. Que exemplo extraordinário para nós!
E acho que agora compreendemos o Evangelho: «Virão do Oriente, virão do Ocidente, os filhos do rei irão para fora e os que vieram hão de se sentar à mesa com Abraão, Isaac e Jacob no Reino dos céus. Virão as prostitutas e os ladrões. E os filhos serão postos fora». Será porque Deus não quer os filhos? Não. Mas quer que nós, seus filhos, sejamos almas assim. Como a deste centurião. Como a daquele leproso que, sendo samaritano, foi o único que voltou atrás para agradecer. Almas que sejam capazes de chorar sobre a sua rotina, que sejam capazes de chorar os seus hábitos, para que as lágrimas os lavem e, apesar de pecadores, sejam simples e consigam dizer, ao menos hoje, um dia na vida: «Eu não sou digno. Ensina-me a acreditar que nada do que eu fiz até hoje de cristão vale alguma coisa».
P. Alberto Neto Revista Alleluia, 187 (1969)

In Padre Alberto Neto - Testemunhos de uma voz incómoda, Texto Editora (um livro a comprar para ler & fazer)
FONTE: http://www.snpcultura.org/igreja_catolica_da_rotina_a_conversao.html

Entre a beleza do anúncio e a crueza da realidade
Eu sempre gostei da figura de S. Tomé. Como compreendo bem este homem, exigindo o sinal visível da sua adesão! Como ele nos deve falar hoje e agora! Sinal de tantos milhares de homens que têm sede do Deus vivo, do Deus da libertação do homem e do povo, e são iludidos na sua expectativa e reta intenção. Falaram-lhes dum Deus libertador do povo e suas opressões, no Egito e na Babilónia. E que veem eles? Um Deus aliado dos poderosos e dos que têm na mão as forças do domínio, que mantém o povo longe dos bens da Terra, do corpo e do espírito que Deus deixou a todos e para todos.
Ler mais em http://www.snpcultura.org/entre_a_beleza_do_anuncio_e_a_crueza_da_realidade.html

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