"Porquê?" & "Para quê?"

Impõe-se-me, como autor do blogue, dar uma explicação, ainda que breve, do "porquê" e do "para quê" da sua criação. O título já por si diz alguma coisa, mas não o suficiente. E será a partir dele, título, que construirei esse "suficiente". Vamos a isso! Assim:
Dito de dizer, escrever, noticiar, informar, motivar, explicar, divulgar, partilhar, denunciar, tudo aquilo que tenho e penso merecer sê-lo. Feito de fazer, actuar, concretizar, agir, reunir, construir. Um pressupõe e implica, necessariamente, o outro - «de palavras está o mundo cheio». Se muitos & bons discursos ditos, mas poucas ou nenhumas acções que tornem o mundo, um lugar, no mínimo, suportável para se viver, «olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço», então nada feito!!!

«Para bom entendedor meia palavra basta» - meu dito meu feito, palavras e motivo.





























quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

REFLEXÃO/MEDITAÇÃO/ATENÇÃO: Cultivar a alegria de cada dia

Um elemento que caracteriza a alegria é o facto dela não nos pertencer. É pessoalíssima, é completamente nossa, identifica-se connosco, mas não nos pertence. A alegria não nos pertence. A alegria atravessa-nos. A alegria é sempre um dom. A alegria nasce do acolhimento. A alegria nasce quando eu aceito construir a minha vida numa cultura de hospitalidade. Se insonorizo o meu espaço vital, se impermeabilizo a minha atenção, a alegria não me visita. A alegria é um dom da amizade acolhida.
A alegria não é programada. Não posso, por exemplo, dizer: daqui a um minuto vou-me rir. Não sei quando é que me vou rir. A alegria é um dom que me visita na surpresa, no não anunciado. E nesse sentido tenho de viver em hospitalidade. O meu coração é uma soleira, uma porta entreaberta. A minha vida vive do acolhimento amigável. Temos de adquirir uma porosidade, deixarmo-nos tocar, deixarmo-nos ligar pelo fluxo reparador da vida.
Há um filme de Ingmar Bergman em que uma personagem é uma rapariga anoréxica - e sabemos como a anorexia é uma forma de desistir da própria vida, de desinvestir afetivamente. A rapariga vai falar com um médico e ele diz-lhe isto, que também vale para nós todos: «Olha, há só um remédio para ti, só vejo um caminho: em cada dia deixa-te tocar por alguém ou por alguma coisa.» A alegria é esta hospitalidade.
Os dias sem alegria são completamente sem memória. Chegamos ao fim não lembramos um único gesto, uma única fase, um único encontro, uma única ação, não temos nada para contar. Tive de ver e de escutar muitas coisas, e de estar entre muita gente, mas não quis nada daquilo nem daqueles; não permiti que existisse um trânsito, um retorno; não abri o meu coração ... Há que transformar a nossa vida no sentido da hospitalidade. A amizade ensina-nos isso.
Não há alegria sem inocência. Mas inocência naquele sentido que apontava a escritora Cristina Campo: «Nós não nascemos inocentes, mas podemos morrer inocentes.» A inocência da infância espiritual é aquela inocência com a qual e pela qual podemos morrer: a inocência de um coração simples; da gratuidade; da confiança.
Se não tenho um coração de criança não sou herdeiro do Reino de Deus. Isto é, não sou herdeiro do reino da vida, não vejo cintilar, não vislumbro. E aqui, as crianças são exemplares porque elas entretêm-se com os pequenos nadas, que no fundo são as coisas mais sérias, as coisas donde colhem a luz. E nós precisamos disso. Precisamos dessa infância. De descobrir infâncias dentro de nós. Não é por acaso que todos os amigos são amigos da infância, mesmo aqueles que fazemos pela vida fora. A principal infância a testemunhar é essa futura.
Em vez de crescermos na severidade, na intransigência, na indiferença, no sarcasmo, na maledicência, no lamento., caminhemos suavemente no sentido contrário. Cresçamos na simplicidade, na gratidão, no despojamento e na confiança. A alegria tem a ver com uma essencialidade que só na pobreza espiritual se pode acolher.

José Tolentino Mendonça
In Nenhum caminho será longo, ed. Paulinas
23.05.13
© SNPC | 23.05.13

Sem comentários:

Enviar um comentário